Os consumidores estão tendo problemas com as concessionárias de energias, em especial a Energisa, a qual, ao constatar alguma irregularidade na casa dos consumidores, realiza uma Revisão de Faturamento Abusiva.
De fato, é direito da Concessionária de Energia realizar a revisão de faturamento quando constatada alguma irregularidade na medição do consumo.
Contudo, os métodos e cálculos utilizados mais parecem objetivar a aplicação de multa ou penalidade do que recuperar a energia consumida e não computada.
E o pior é que essa Revisão de Faturamento utilizada pela Concessionária de Energia atinge:
- aqueles que estão furtando energia;
- aqueles que tiveram alguma irregularidade em seus medidores;
- e até mesmo consumidores que nada têm de irregular em seu consumo de energia.
Sendo que, após realizada a revisão de faturamento, eles recebem contas com valores astronômicos!
Há casos de faturas de 7 mil, 10 mil e até mesmo 15 mil reais.
E, caso não quitem os débitos, sua energia é cortada, seu nome é levado ao protesto em cartórios e há casos de cobranças judiciais em busca dos valores.
E é sobre essa prática abusiva que iremos conversar hoje, portanto, fique conosco e você poderá conferir os seguintes tópicos:
- Como a Concessionária de Energia realiza a Revisão de Faturamento quando constata irregularidades no Medidor?
- Então qual seria o método mais adequado para aferir eventual consumo não faturado na conta de energia?
- Se a Concessionária de Energia realizar essa revisão de faturamento abusiva em minha residência, devo fazer o que?
Vamos começar!
Como a Concessionária de Energia realiza a Revisão de Faturamento quando constata irregularidades no Medidor?
A regulamentação geral de fornecimento de energia é estabelecida pela Resolução n.º 414/2010 da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica).
No art. 130 da referida resolução é estabelecido que se for comprovado procedimento irregular no consumo de energia, a concessionária poderá proceder a sua recuperação, sendo que, para apurar a diferença entre os valores efetivamente consumidos e aqueles faturados poderá se utilizar de um dos critérios descritos nos incisos do artigo, são eles:
I – utilização do consumo apurado por medição fiscalizadora, proporcionalizado em 30 dias, desde que utilizada para caracterização da irregularidade, segundo a alínea “a” do inciso V do § 1o do art. 129;
II – aplicação do fator de correção obtido por meio de aferição do erro de medição causado pelo emprego de procedimentos irregulares, desde que os selos e lacres, a tampa e a base do medidor estejam intactos;
III – utilização da média dos 3 (três) maiores valores disponíveis de consumo de energia elétrica, proporcionalizados em 30 dias, e de demanda de potências ativas e reativas excedentes, ocorridos em até 12 (doze) ciclos completos de medição regular, imediatamente anteriores ao início da irregularidade; (Redação dada pela REN ANEEL 670 de 14.07.2015)
IV – determinação dos consumos de energia elétrica e das demandas de potências ativas e reativas excedentes, por meio da carga desviada, quando identificada, ou por meio da carga instalada, verificada no momento da constatação da irregularidade, aplicando-se para a classe residencial o tempo médio e a frequência de utilização de cada carga; e, para as demais classes, os fatores de carga e de demanda, obtidos a partir de outras unidades consumidoras com atividades similares; ou
V – utilização dos valores máximos de consumo de energia elétrica, proporcionalizado em 30 (trinta) dias, e das demandas de potência ativa e reativa excedentes, dentre os ocorridos nos 3 (três) ciclos imediatamente posteriores à regularização da medição.
Acontece que quando da constatação de qualquer irregularidade a distribuidora não se demora em aplicar a hipótese de revisão de faturamento prevista no inciso III, posto que é a mais lucrativa, já que efetua a “revisão de faturamento” utilizando-se dos três maiores valores disponíveis de consumo de energia elétrica anteriores ao início da irregularidade.
Isto é, se utiliza de “picos” de consumo ocorridos anteriormente à constatação da irregularidade.
A hipótese do inciso III é a mais danosa ao consumidor e a que menos reflete a realidade fática de eventual faturamento não computado.
Inclusive, o referido cálculo viola regras do Código de Defesa do Consumidor, visto que mesmo na ausência de irregularidade sempre se obterá um valor que será passível de ser cobrado do consumidor.
Isso ocorre porque o cálculo é feito em cima dos maiores valores contidos no histórico de consumo.
E esses “picos” de consumo podem se dar em dezembro, janeiro e fevereiro, época de maior calor e umidade e na qual, por exemplo, crianças e adolescentes estão de férias e usam mais computador, ventiladores, ar condicionados e outros eletrodomésticos.
Ou então, durante os meses de frio, nos quais utiliza-se com maior frequência o chuveiro elétrico, a claridade do dia dura menos e as pessoas permanecem mais em suas casas.
Ora, é bem difícil (para não dizer impossível) encontrar um lar brasileiro que a conta de energia não tenha sequer uma variação no consumo.
A título de exemplificação citamos o fato de que na própria Resolução da ANEEL é possível visualizar o reconhecimento de épocas sazonais diferenciadas ao decorrer do ano e, às mesmas são aplicadas diferentes tarifas de consumo, conforme se visualiza a seguir:
“3. Período úmido: período de 5 (cinco) ciclos de faturamento consecutivos, referente aos meses de dezembro de um ano a abril do ano seguinte; (Redação dada pela REN ANEEL 418, de 23.11.2010)
4. Período seco: período de 7 (sete) ciclos de faturamentos consecutivos, referente aos meses de maio a novembro; (Redação dada pela REN ANEEL 418, de 23.11.2010)
5. Tarifa azul: modalidade caracterizada pela aplicação de tarifas diferenciadas de consumo de energia elétrica, de acordo com as horas de utilização do dia e os períodos do ano, assim como de tarifas diferenciadas de demanda de potência, de acordo com as horas de utilização do dia; e (Redação dada pela REN ANEEL 418, de 23.11.2010)
6. Tarifa verde: modalidade caracterizada pela aplicação de tarifas diferenciadas de consumo de energia elétrica, de acordo com as horas de utilização do dia e os períodos do ano, assim como de uma única tarifa de demanda de potência. (Redação dada pela REN ANEEL 418, de 23.11.2010)”
Ou seja, todas as residências terão “picos” de consumo, independente se nelas há irregularidade no cômputo de energia ou não.
É o mesmo que dizer que a Concessionária de Energia pode chegar na casa de qualquer consumidor, realizar uma revisão de faturamento e chegar a valores para o consumidor pagar, mesmo que não haja irregularidade alguma nos seus medidores.
Nesse sentido, é interessante expor fragmento do voto do ministro Dias Toffoli no julgamento do AG.REG. no recurso extraordinário com agravo 871.947 Rio Grande do Sul, veja-se:
“Todavia, entendo que as bases do [cálculo efetuado pela concessionária] é que não podem ser adotadas, isto é, na forma do inciso III do artigo 130 da Resolução 414/2010 da ANEEL – média sustentada em ciclos dos faturamentos mais altos. (…)
(…) o cálculo, da forma como procedido pela distribuidora, implicaria em impor ao usuário pagar um consumo de energia elétrica que nem mesmo existiu ou que foi usufruído, eis que calculado através de uma média sustentada em ciclos dos faturamentos mais altos; e isso, repita-se, tanto para quem comete fraude ou não.
Daí o porquê de entender que, embora devida a recuperação do consumo (e também os danos causados ao aparelho medidor), o seu cálculo no período em apuração não pode ser efetuado sob a mesma base legal utilizada pela concessionária.
Nesse diapasão, mesmo se encontrando o aparelho de medição no interior da propriedade do demandante, mas não se podendo, no presente caso, a ele imputar a autoria da irregularidade, tenho que o justo seja aplicar as disposições do artigo 115 da Resolução da ANEEL n. 414/10, que remete para a tão só deficiência na medição”.
O Ministro, em seu voto, deixa claro que a incidência do mencionado método de cálculo implica em valores que não existiram e não foram consumidos, já que realizados com base nos “picos” de consumo, gerando “Consumo não Faturado” tanto para Unidades Consumidoras que possuíam irregularidades como para Unidades Consumidoras que não possuíram irregularidade alguma.
Ainda, é importante destacar também o enunciado da súmula 152 do STJ: “a cobrança pelo fornecimento de água, na falta de hidrômetro ou defeito no seu funcionamento, deve ser feita pela tarifa mínima, sendo vedada a cobrança por estimativa.“.
Apesar da súmula tratar do fornecimento de água, por analogia, é perfeitamente aplicável aos casos que envolvem o fornecimento de energia.
Tal cálculo soa como a tentativa de se aplicar uma “multa” ou penalidade pela constatação de uma irregularidade e não ao que realmente se destina, a recuperação do consumo não faturado.
Parece que a distribuidora de energia mais busca transferir seu risco empresarial para o consumidor e potencializar seus lucros, eis que se aproveita de toda e qualquer oportunidade para aplicar verdadeiras multas com valores estratosféricos e revesti-las de “revisões de faturamento”.
Então qual seria o método mais adequado para aferir eventual consumo não faturado na conta de energia?
O mais adequado para constatação de eventual consumo não faturado é o previsto no Art. 130, V, da RES 414/2010 da ANEEL, dê uma conferida:
V – utilização dos valores máximos de consumo de energia elétrica, proporcionalizado em 30 (trinta) dias, e das demandas de potência ativa e reativa excedentes, dentre os ocorridos nos 3 (três) ciclos imediatamente posteriores à regularização da medição.
Referido inciso é o mais adequado para uma possível revisão de faturamento já que utiliza os “3 (três) ciclos imediatamente posteriores à regularização da medição” e não os picos de consumo anteriores.
É dizer que o ideal seria que a concessionária de energia regularizasse a situação e verificasse se nos próximos três meses o consumo iria aumentar, de modo que só no caso de aumento do consumo haveriam valores a serem pagos a título de revisão de faturamento.
O Art. 130, V, RES 414 ANEEL é o mais adequado, pois não há que se analisar o “passado”, mas sim o “futuro”, constatar se após a regularização houve aumento exponencial do consumo nos três meses seguintes, tanto é assim que o Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul entende pela sua aplicação, senão vejamos:
E M E N T A – APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO – ENERGIA ELÉTRICA – COBRANÇA DEVIDA – CONSTATADA IRREGULARIDADE NO MEDIDOR DE CONSUMO – PROCEDIMENTO LEGÍTIMO – OBSERVÂNCIA ÀS DIRETRIZES DA ANEEL – VERIFICADA ALTERAÇÃO DO CONSUMO DO SERVIÇO APÓS A INSPEÇÃO REALIZADA PELA CONCESSIONÁRIA – RECUPERAÇÃO DE RECEITA – CÁLCULO DO DÉBITO NOS MOLDES DO ARTIGO 130, INCISO V, DA RESOLUÇÃO N.º 414/ANEEL – PREQUESTIONAMENTO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Se os documentos juntados aos autos, somados à alteração de consumo, demonstram incontestavelmente a irregularidade no aparelho de medição da unidade consumidora da autora, é devida a cobrança efetivada pela concessionária, haja vista que o consumidor beneficiou-se do valor menor das faturas, eis que o medidor não registrava toda a energia consumida, sob pena de se configurar o enriquecimento sem justa causa. A revisão do faturamento não pode se dar de forma arbitrária, devendo ocorrer nos moldes do disposto no art. 130, inciso V, da Resolução n.º 414, da ANEEL, critério que se mostra lógico e razoável, por se referir a período posterior à substituição do medidor, quando a medição do consumo de energia já se encontra normalizada. (TJMS. Apelação Cível n. 0803536-25.2018.8.12.0008, Corumbá, 1ª Câmara Cível, Relator (a): Des. Marcelo Câmara Rasslan, j: 24/04/2019, p: 25/04/2019)
E M E N T A – APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – PRELIMINARES DE CERCEAMENTO DE DEFESA AFASTADA – IRREGULARIDADE NO MEDIDOR DE ENERGIA ELÉTRICA – AUSÊNCIA DE MEDIÇÃO DE CONSUMO – COBRANÇA DEVIDA – REVISÃO DE FATURAMENTO CONFORME O ARTIGO 130, INCISO V, DA RESOLUÇÃO 414/ANEEL – DANOS MORAIS NÃO CARACTERIZADOS – PREQUESTIONAMENTO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Rejeita-se a preliminar de cerceamento de defesa por se considerar que o magistrado é livre para considerar as provas juntadas aos autos e formar sua convicção para julgar o feito, podendo dispensar aquelas que julgar desnecessárias ao desfecho da demanda. Demonstrada a irregularidade no aparelho de medição de energia elétrica da unidade consumidora do autor, são devidas as cobranças contestadas, pois o consumidor beneficiou-se da ausência de medição do consumo, configurando o enriquecimento sem justa causa. Ausente a comprovação da autoria da fraude, a revisão do faturamento deve se dar nos moldes do art. 130, inciso V, da Resolução n.º 414, da ANEEL. Comprovada a irregularidade no medidor, que levou o consumidor ao não pagamento da energia elétrica consumida, indevida a pretensão de indenzação por dano moral. (TJMS. Apelação Cível n. 0800382-40.2016.8.12.0017, Nova Andradina, 1ª Câmara Cível, Relator (a): Des. Marcelo Câmara Rasslan, j: 02/04/2019, p: 04/04/2019)
E M E N T A – APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO – IRREGULARIDADE CONSTATADA NO MEDIDOR DE ENERGIA ELÉTRICA – AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE FRAUDE PRATICADA PELO CONSUMIDOR – REVISÃO DO FATURAMENTO DEVIDA – RESOLUÇÃO N. 414/2010 ANEEL – RECURSOS NÃO PROVIDOS Sendo a irregularidade do relógio medidor de energia elétrica incontroversa, a revisão do faturamento é devida independentemente de culpa/dolo do consumidor, aplicando-se, para tanto, o disposto no art. 130 da Resolução 414/2010 da ANEEL. No presente caso, como não foi demonstrada a culpa/dolo do consumidor, deve ser observado o inciso V do referido artigo, assim como, por não ser possível especificar o período da irregularidade, deve ser aplicado o limite de 6 ciclos previsto no §1º do art. 132 do mencionado Diploma. Recursos não providos. (TJMS. Apelação Cível n. 0800911-15.2013.8.12.0001, Campo Grande, 1ª Câmara Cível, Relator (a): Desª. Tânia Garcia de Freitas Borges, j: 09/08/2018, p: 10/08/2018)
Se a Concessionária de Energia realizar essa revisão de faturamento abusiva em minha residência, devo fazer o que?
A revisão de faturamento prevista no Art. 130, III, da Resolução da ANEEL é abusiva independente da existência de irregularidade ou não.
Portanto, caso você seja vítima dessa prática, deverá buscar um advogado de sua confiança para que seja ajuizada a ação judicial competente para que se anule a fatura emitida ou então para que se aplique o cálculo previsto no Art. 130, V, da Resolução da ANEEL.
E aí, gostou do texto? Conhece alguém que já teve problemas com a Concessionária de Energia? Envie este texto para ela saber de seus direitos!