Desde outubro de 2020 a Apple deixou de vender seus Iphones com o carregador, inserindo na caixa do produto apenas o cabo, conhecido como “lightning”.
Assim, o consumidor que está comprando um celular Apple pela primeira vez ou que não tem o carregador do seu Iphone antigo, não consegue receber a caixa do Iphone novo e já usá-lo de maneira plena.
O consumidor terá que adquirir um carregador de maneira complementar.
Essa prática tem causado inúmeros transtornos aos consumidores brasileiros desde que se iniciou.
Ouvindo e colhendo alguns relatos pela internet, podemos citar casos nos quais:
- O consumidor comprou o Iphone em uma grande revendedora com a ciência de que viria sem o carregador, oportunidade na qual abriu o carrinho e já adicionou o plug de carregamento de maneira complementar, justamente para não ficar sem. Contudo, em razão da modalidade de venda Dropshipping (prática na qual vendedores diversos usam a mesma plataforma para comércio online), diferentes vendedores ficaram responsáveis pelo envio do telefone e do carregador, de modo que a pessoa recebeu primeiro o telefone e apenas 15 dias depois o carregador, ficando todo esse tempo inviabilizada de usá-lo em sua plenitude.
- Em outro caso, a pessoa também se utilizou de uma grande revendedora para comprar o Iphone e também adicionou o carregador no carrinho de maneira complementar. No entanto, o produto enviado foi um carregador falsificado, o que danificou seu aparelho e impediu o seu uso.
- Por fim, há casos também de consumidores que acreditavam que apenas os modelos novos vinham sem carregadores, enquanto os modelos mais antigos (comprados porque mais baratos), ainda viriam com o carregador. Porém, ao que tudo indica, a Apple removeu os adaptadores para carregamento até dos modelos mais antigos.
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Nesse cenário, pipocaram ações judiciais contra a Apple por todo o Brasil.
Consumidores foram ao judiciário pedir a restituição dos valores pagos pelo carregador do Iphone
De 2020 para cá, inúmeros consumidores ajuizaram ações judiciais pedindo a restituição dos valores pagos pelo carregador e também indenização por danos morais.
Alguns ganharam a restituição do valor pago e indenização pelo dano moral, outros apenas a restituição do valor e outros perderam a ação judicial.
O fundamento principal para essa ação judicial seria que a Gigante da Tecnologia estaria praticando Venda Casada, conduta que é vedada pelo Código de Defesa do Consumidor em seu Art. 39, inciso I, vejamos:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;
Em sua defesa, a Apple argumenta que essa prática é uma política favorável ao meio ambiente e que cumpriu com o dever de informação clara e adequada ao consumidor.
Apple é multada em 12 milhões e proibida de vender Iphones no Brasil sem o carregador
A briga continuou até que em 06 de setembro de 2022 o Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio da Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON), aplicou as seguintes sanções à Apple:
- multa de R$ 12.274.500 (doze milhões duzentos e setenta e quatro mil e quinhentos reais);
- cassação de registro dos smartphones da marca iPhone introduzidos no mercado a partir do modelo iPhone 12;
- e suspensão imediata do fornecimento de todos os smartphones da marca iPhone, independentemente do modelo ou geração, desacompanhados do carregador de bateria.
Caso você queira consultar o ato que aplicou essas sanções, é só clicar aqui e ler o Despacho n.º 2.343/2022, publicado em 06.09.2022 pelo Diário Oficial da União.
A Apple recorreu dessa decisão e a multa não foi paga até agora. Inclusive, os Iphones continuam sendo vendidos.
Além disso, existem outras ações judiciais coletivas que tiveram decisões parecidas, isto é, tanto multaram a Apple, quanto determinaram que não mais venda Iphones sem o carregador.
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Um exemplo é uma Ação Civil Pública que foi proposta em São Paulo pela Associação Brasileira dos Mutuários, Consumidores e Contribuintes (ABMCC), na qual a Apple foi condenada a pagar R$ 100 milhões e dar carregadores a todos que compraram Iphones nos últimos dois anos.
É claro que a Gigante da Tecnologia recorreu e a ação judicial ainda não chegou ao fim.
Em declaração Oficial dada a grandes sites de notícias, a Apple afirma o seguinte:
“Na Apple, consideramos nosso impacto nas pessoas e no planeta em tudo o que fazemos. Adaptadores de energia representaram nosso maior uso de zinco e plástico e eliminá-los da caixa ajudou a reduzir mais de 2 milhões de toneladas métricas de emissões de carbono – o equivalente a remover 500.000 carros da estrada por ano. Existem bilhões de adaptadores de energia USB-A já em uso em todo o mundo que nossos clientes podem usar para carregar e conectar seus dispositivos. Já ganhamos várias decisões judiciais no Brasil sobre esse assunto e estamos confiantes de que nossos clientes estão cientes das várias opções para carregar e conectar seus dispositivos.”
A parte final da declaração deixa claro que a Empresa está disposta a travar uma verdadeira guerra contra o instituto da Venda Casada e também contra o sistema de defesa do consumidor brasileiro.
Nessa guerra, ela encontra apoio de alguns consumidores fiéis e também, como ela própria diz, de algumas decisões judiciais (minoritárias, mas existentes).
Acerca dos consumidores que concordam com as ações da Apple e apoiam sua prática, o juiz de direito Dr. Caramuru Afonso Francisco, da 18ª vara cível de São Paulo, disse que:
“Ao se invocar a defesa do meio ambiente para tal medida, demonstra a requerida evidente má-fé, a ensejar quase que uma propaganda enganosa — o que se revela também uma prática abusiva, visto que até incentiva e estimula o consumidor a concordar com a lesão que está a sofrer”.
Pois é.
No final, a questão ainda não foi resolvida, mas uma hora os recursos acabam e teremos uma resposta.
Entretanto, de um jeito ou de outro, tudo aponta que em um futuro próximo a Apple terá que ceder.
A União Européia, a padronização dos carregadores e o Projeto de Lei n.º 2643 de outubro de 2022
Agora em outubro de 2022 o Parlamento Europeu aprovou uma legislação que padroniza os carregadores de celulares e equipamentos eletrônicos (notebooks, celulares, Tablets e etc.) que serão vendidos na União Europeia.
Essa medida passará a valer a partir de 2024, tendo as várias marcas até lá para se adequarem.
O padrão estabelecido será o conector USB-C (aquele do Android, conhece?), sendo que a principal resistência à aprovação deste projeto era a Gigante da Tecnologia Apple.
O USB-C foi o escolhido justamente por ser a maioria disponível no mercado e por ser a “melhor opção” segundo a maioria dos cientistas consultados.
Em nota, a Apple argumentou que a medida seria prejudicial à inovação tecnológica.
Contudo, gostando ou não, a Apple terá que se adequar caso queira vender seus produtos na União Europeia.
A aprovação da legislação de padronização dos carregadores de celular na União Europeia já repercutiu no Brasil (e também no mundo), de modo que a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) abriu Consulta Pública para contribuições da sociedade a respeito da proposta de definição dos requisitos técnicos para a padronização do modelo de carregamento dos celulares e equipamentos eletrônicos.
Caso você queira consultar, busque pela Consulta Pública n.º 45/2022 da Anatel, linkada aqui.
Além da consulta pública, existe também o Projeto de Lei n.º 2643 de outubro de 2022, responsável por propor que o carregador padrão no Brasil seja o USB-C.
Esse projeto de lei foi proposto pelo Senador Carlos Fávaro do PSD/MT e já está em tramitação.
Enquanto isso, nós ficamos aqui no aguardo!
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Coluna Conversando Direito com João Vitor Alves dos Santos Carneiro
Advogado Especialista em Direito do Consumidor Bancário – OAB/MS 24.014